Em meio à pandemia os realities acabaram se tornando os queridinhos dos brasileiros, atingindo números jamais vistos em muito tempo. E com tanta atenção da população, um programa com pessoas falando o que pensam sem filtro sendo registrado 24h por dia acabaram ficando perigosos para as marcas. Por outro lado, o público passou a acompanhar de perto e cobrar fortemente as empresas sobre tudo o que acontecia dentro dos reality shows.
Seria justo cobrar uma marca pelo que pessoas fazem dentro de um reality show? Vale a pena colocar em xeque todo o propósito de uma marca em nome de uma oportunidade de divulgação em um programa com muita audiência? Qual o momento certo de intervir?
No vigésimo terceiro episódio do Break Publicitário, Matheus Ferreira, Erik Rocha e Victor Alexandro tentam responder essas perguntas e propor alternativas para as marcas que realmente se importam.
A história dos realities
Reality, ou “Reality Show”, é um gênero de programa de televisão baseado na vida real que consiste em colocar diversas pessoas com personalidades diferentes diante de uma simulação de convivência, propondo dinâmicas e obstáculos para acompanhar o desempenho do grupo.
A Casa dos Artistas
Quando o assunto é Reality Show, A Casa dos Artistas não pode ficar de fora. Sinônimo de entretenimento, o reality fez sucesso no SBT de 2001 à 2004 e reunia um grupo de celebridades para disputar o prêmio principal.
O programa chegou até mesmo a atingir 55 pontos de audiência durante sua exibição, superando todos os concorrentes. A situação ocorreu durante a final do reality onde a atriz Bárbara Paz foi a campeã.
A Casa dos Artistas acabou em 2004 e, como o SBT está bem focado em trazer de volta suas atrações com o Show do Milhão, apresentado por Celso Portiolli, é possível que a gente volte a acompanhar mais temporadas do programa em breve.
O motivo por trás do fim da Casa dos Artistas
Visando estrear seu programa de sucesso, BBB, a Globo processou o SBT por plágio, alegando que A Casa dos Artistas era uma cópia do Big Brother, da Endemol. De acordo com o portal Metrópoles, a emissora queria impedir a exibição do programa, que foi suspenso por dois dias, porém a Justiça determinou que o mesmo deveria continuar no ar até que o processo fosse concluído.
Em março de 2015, o Superior Tribunal de Justiça considerou o programa como plágio do Big Brother e condenou o SBT a pagar uma multa em torno de R$ 18 milhões, embora o próprio programa já estivesse fora do ar desde 2004 quando Silvio Santos decidiu substituí-lo pelo musical Ídolos.
No Limite
Com uma proposta bem diferente dos realities que estamos acostumados, o reality show No Limite estreou em 2000 e, diferente da Casa dos Artistas ou até mesmo do Big Brother atual, era inteiramente gravado e sem intervenção do público.
A ideia, que era bem inovadora para a época, era levar um grupo de pessoas para experienciar situações que exigem coragem e resistência física ao máximo, buscando realmente levar os participantes ao limite.
O programa, que teve seu fim em 2001 (e um breve retorno em 2009), voltou neste ano em uma nova versão apresentada por André Marques.
Big Brother Brasil
O Big Brother Brasil estreou em 2002 e, nesse mesmo ano, trouxe duas edições, uma em cada semestre, devido ao enorme sucesso que o reality show teve com o público.
Neste reality, os competidores ficam confinados em uma casa cenográfica, sendo vigiados por câmeras 24h por dia, longe de qualquer informação externa. Sua primeira edição contou com apresentação de Pedro Bial e Marisa Orth.
A chegada de Tiago Leifert
Em meados de 2017, Pedro Bial deixou de ser o apresentador do Big Brother Brasil e abriu as portas para Tiago Leifert, que chegou tímido, com muito receio do público, mas que logo transformou o reality e deixou claro que o BBB é realmente um jogo.
Com essa interpretação de Leifert sobre o Big Brother, os participantes passaram a se declarar jogadores, exibindo para o público táticas e estratégias diferentes, brigando para conseguir destaque e deixando claro que estavam ali para jogar e não para fazer amizades.
Embora o programa tenha seus altos e baixos, durante a pandemia apresentou desempenho recorde, tanto em audiência, quanto em quantidade de seguidores dos participantes durante/após o programa e, agora, o BBB ganhará sua edição de 2022 com apresentação de Tadeu Schmidt.
As polêmicas do programa
Em um programa onde os participantes estão expostos 24h por dia é óbvio que nem tudo são flores, afinal as pessoas são imprevisíveis e não é possível saber quais serão os rumos que as conversas dentro do reality irão tomar.
Dessa forma, embora o Big Brother seja sinônimo de reality show aqui no Brasil, ainda assim o programa conta com diversas polêmicas em sua história.
A fama do ex-BBB
Ser “ex-BBB” pode até ser considerado algo bom hoje em dia, já que os participantes conseguem destaque nas redes sociais devido a uma grande quantidade de seguidores, mas nem sempre foi assim.
Durante muito tempo, os ex-participantes do reality sofriam com um estigma pesado, que classificava-os como alguém “desesperado por fama e/ou dinheiro”, o que prejudicava no mercado de trabalho e em diversos fatores de suas vidas pessoais.
Durante o podcast, Matheus relata o caso de Aline, que após sair do programa deu entrevistas alegando a dificultade de conseguir um emprego como atriz.
Globo precisa esclarecer dúvidas sobre vírus HIV
Em 2010 a Justiça Federal de São Paulo determinou que a TV Globo deveria exibir um informe para esclarecer a população de como se contrai o vírus HIV.
Isso aconteceu por conta de uma declaração do participante Marcelo Dourado que, em conversa, afirmou que “hetero não pega AIDS, isso eu digo porque eu conversei com médicos e eles disseram isso. Um homem transmite para outro homem, mas uma mulher não passa para o homem”.
As declarações de Dourado foram exibidas no dia 9 de fevereiro na TV Globo. Nessa mesma data, segundo a decisão judicial, o apresentador do “BBB 10”, Pedro Bial, informou no ar que “as opiniões e batatadas emitidas pelos participantes do programa são de responsabilidade exclusiva dos participantes deste programa. Para ter acesso a informações corretas sobre como é transmitido o vírus HIV acesse o site do Ministério da Saúde“.
A Fazenda
Esse reality tem uma proposta semelhante ao que era a antiga Casa dos Artistas, onde celebridades são reunidas para um programa de convivência. A diferença, no entanto, é que em A Fazenda os participantes são obrigados a vivenciar experiências típicas do meio rural.
Todo ano o programa se envolve em polêmicas diante do público por conta da escolha de seus participantes, que no geral costumam estar envolvidos em polêmicas no “mundo real”.
A expulsão de Nego do Borel
Neste ano, a polêmica envolveu o cantor Nego do Borel, que acabou sendo expulso do programa. De acordo com o portal UOL, o ex-participante está sendo investigado pela Polícia Civil de São Paulo por suspeita de estupro de vulnerável contra Dayane Mello.
O posicionamento das marcas
Como destaca Matheus durante o podcast, muito impressiona que marcas de grande peso se sujeitem a patrocinar um reality show sem ao menos observar os antecedentes dos participantes.
As marcas Americanas, Aurora, Brahma, Banco Original, Seda e TikTok são os patrocinadores oficiais do reality A Fazenda e, ainda segundo o Matheus, as marcas deveriam verificar com atenção a listagem dos participantes.
A polêmica envolvendo Nego do Borel aconteceu com menos de um mês de programa e, para manter consistência em seus posicionamentos, as marcas deveriam se atentar ao seu propósito e apoiar apenas programas que condizem com sua visão e valores.
MasterChef
O MasterChef é um reality show de culinária onde os participantes são colocados à prova para testar seus dotes culinários perante à grandes Chefs. O programa já realizou 7 anos e, em comitiva de imprensa, a equipe declarou que o reality ofereceu um ótimo retorno para todos os patrocinadores.
Esse reality criou tendência e fez com que todos os concorrentes criassem seus próprios formatos como Bake Off e Hell’s Kitchen (SBT), Top Chef (Record) e Mestres do Sabor (Globo).
O MasterChef foi um dos primeiros realities a saber lidar com o público das redes sociais, por conta do grande público no Twitter. O programa chegou a realizar até mesmo um “contador de Tweets” durante exibição para instigar o público a comentar mais.
De Férias com o Ex
Esse é um reality show voltado para o público mais jovem onde dez solteiros passam férias em um local e seus ex-parceiros vão aparecendo no decorrer do programa.
Além desse reality, existem diversos outros com a temática “pegação” envolvida, como “Are You the One?”, “Brincando com Fogo”, “Soltos em Floripa” etc.
The Circle
Em um formato totalmente gravado e sem interação do público, The Circle é um reality show onde os participantes ficam confinados em um quarto de hotel e podem interagir somente por meio de mensagens. No jogo, os participantes podem optar por suas fotos reais ou por criar um perfil fake para interagir com os outros jogadores.
Os realities em tempos de pandemia
A pandemia pegou todo mundo de surpresa e, como o público passou a maior parte do tempo em casa, os realities tiveram um desempenho impressionante, como mostra Erik:
“Ao longo das últimas duas décadas, o Brasil se rendeu aos realities shows e, em tempos de pandemia do novo coronavírus, os produtores comemoram índices recordes de audiência. Os números de audiência do Big Brother Brasil 21, intitulado o ‘Big dos Bigs’, mostram que essa foi uma edição histórica na trajetória do reality.
O programa teve a temporada de maior audiência, na média nacional, 51% em nove anos – com 27 pontos de participação segundo o Painel Nacional de Televisão (PNT). De acordo com dados enviados pela TV Globo ao Estadão, a final, que consagrou Juliette Freire como campeã, também foi a de maior audiência em 11 anos. Mas o recorde da temporada no PNT foi registrado no dia 23 de fevereiro, noite em que Karol Conká foi eliminada, com 36 pontos de audiência”.
Vale lembrar que, nessa noite em que Karol Conká foi eliminada, a Globo atingiu esse pico de audiência às 1h da madrugada.
O aumento dos patrocínios
Com o aumento da audiência dos realities, as marcas logo abriram seus olhos e voltaram seus investimentos para patrocinar esses programas. Dessa forma, o patrocínio em reality show apresentou um aumento de 26% neste ano na comparação com 2020. O formato de branded content, quando as marcas são inseridas em provas, festas e quadros, por exemplo, também teve um aumento considerável: 79% mais entre janeiro e abril deste ano do que na comparação com o mesmo período do ano anterior.
O estudo da Kantar também mostra um aumento geral na audiência do formato reality show na televisão: 19% mais audiência do que a registrada em 2020. Os realities do gênero musical tiveram um aumento de 853% no período analisado enquanto os realities de empreendedorismo e negócios cresceram 147% em audiência.
O papel dos patrocinadores nos realities
Os patrocinadores acabaram se tornando parte dos programas e, de certa forma, acabam se responsabilizando pelos acontecimentos dentro dos realities. O consumidor já entendeu seu papel neste momento e agora começa a procurar pelas marcas patrocinadoras nos momentos desagráveis.
Durante o Big Brother Brasil de 2021, a Coca-Cola realizou a promoção de uma prova do líder onde todos esperavam a eliminação de Karol Conká, mas na verdade ela foi a vencedora da prova. Vendo que o público não estava satisfeito com o resultado, a marca publicou em suas redes sociais um meme com suas latinhas se juntando para formar um pedido de socorro.
Outra marca que não se deu muito bem no plano de contingência foi a Amstel, que mudou toda sua estratégia de provas dentro do programa para passar mensagens positivas para os participantes dentro do programa. Acontece que a Amstel também pagou post patrocinado para que influenciadores publicassem mensagens de empatia pela Karol Conká e essas #publis acabaram virando motivo de repúdio para o consumidor.
Ainda buscando controlar os acontecimentos dentro do programa, a Coca-Cola e a Avon se posicionaram durante uma comitiva de imprensa dizendo que conversaram com a Globo para solicitar alterações nas regras do Big Brother Brasil para 2022, buscando punição para agressões psicológicas dentro do programa.
A dificuldade de ser um patrocinador de reality show atualmente
Como dito anteriormente, hoje em dia o público já sabe muito bem com quem reclamar quando está insatisfeito com algo que está sendo passado e, por esse motivo, é ainda mais necessário que as marcas se atentem aos detalhes para que o patrocínio esteja ligado aos seus valores.
Matheus explica durante o podcast que, durante o ocorrido na Fazenda deste ano, foi possível se deparar inúmeras vezes com marcas publicando notas de repúdio sobre as ações dentro do programa onde, nos comentários, o público questionava o motivo de continuar patrocinando o programa.
Tanto artistas, quanto marcas já estão abrindo os olhos e ficando com medo do famigerado cancelamento. E isso é ótimo para os consumidores, pois demonstra uma preocupação maior na hora de apoiar algo que vai contra os valores da empresa apenas visando os números.
Perguntas no Instagram
No Instagram do Break Publicitário e do Geek Publicitário, foi perguntado se os consumidores estavam corretos em cobrar as marcas pelo que acontece dentro do reality show; 79% das pessoas acham correto cobrar os patrocinadores pelo ocorrido dentro do programa.
“Patrocinar um reality é o mesmo que ter um casting fazendo um comercial diariamente de sua marca, se você aprovou esse casting, é sua responsabilidade agora”, diz André Halef, seguidor do Break Publicitário.
Considerações finais
Nesses dois anos de pandemia tivemos muito para aprender com os realities, foram pelo menos três lados da história que aprenderam bastante sobre como tudo funciona e como deve funcionar daqui para frente: As produtoras, que aprenderam como se posicionar diante da vontade do público e como selecionar seus participantes; As marcas, que aprenderam a visualizar além dos números para se manter fiel ao seu posicionamento; E o público, que aprendeu que efetivamente tem voz e pode reclamar quando não estiver satisfeito com algo que está sendo passado.
Além disso, precisamos entender que estamos em um momento diferente como sociedade e, por isso, é importante que os patrocinadores estejam atentos ao que estão apoiando para conseguir “prever” o máximo possível os problemas que podem acontecer no decorrer do programa.
É preciso entender que o consumidor mudou e a maneira de se comunicar com esse público também passa a ser diferente nesse momento atual. As marcas precisam se posicionar e já não é mais possível viver em cima do muro, pois o consumidor já entende que ficar em cima do muro não é suficiente.
Caso você tenha interesse em conferir toda conversa do podcast sobre crise nos realities na íntegra você pode ouvir ou assistir o Break Publicitário em todas as plataformas digitais.