Muito provavelmente você já se deparou com uma ação ou campanha onde a noção passou bem longe e você ficou se perguntando “Quem aprovou isso?”. No oitavo episódio do Break Publicitário, Matheus Ferreira e Erik Rocha conversam sobre cases que nem deveriam ter saído do papel.
Infelizmente acaba sendo fácil cair nas armadilhas do caminho errado, mas é exatamente por isso que as reuniões devem acontecer e marcas como Bombril, Burger King, Casas Bahia, Kopenhagen e diversas outras já deixaram um erro ou outro escapar na hora de produzir suas campanhas.
Krespinha — Bombril
Ainda bem que o mundo está em constante evolução, embora as vezes pareça que não, e é muito importante que as marcas entendam isso. Afinal, nem sempre uma campanha que deu muito certo há um tempo atrás dará certo atualmente.
Krespinha é um produto da Bombril completamente pejorativo que a marca decidiu anunciar em meados de junho do ano passado. Todo mundo acreditou que o produto estava sendo relançado, quando na verdade nunca havia saído do portfólio da marca, apenas estava sem comunicação.
Após o anúncio, a marca foi parar nos Trending Topics do Twitter Brasil com a #BombrilRacista e isso levantou diversas discussões totalmente voltadas para o racismo, que é ainda mais inadmissível nos dias de hoje.
Ao gerar tanta polêmica, a marca emitiu um comunicado oficial onde anunciou o encerramento do produto no mercado:
“A Bombril decidiu que vai retirar, a partir de hoje, a marca Krespinha do seu portfólio de produtos.
Diferentemente do que foi divulgado nas redes sociais e mídia em geral, não se tratava de lançamento ou reposicionamento de produto. A marca estava no portfólio há quase 70 anos, sem nenhuma publicidade nos últimos anos, fato que não diminui nossa responsabilidade. Mesmo sem intenção em ferir ou atingir qualquer pessoa, pedimos sinceras desculpas a toda a sociedade.
Cada vez mais, em todo o mundo, as pessoas corretamente cobram das empresas e das instituições o respeito e a valorização da diversidade. Não há mais espaço para manifestações de preconceitos, sejam elas explícitas ou implícitas. A Bombril compartilha desses valores.
Em função disso, vamos imediatamente rever toda a comunicação da Companhia, além de identificar ações que possam gerar ainda mais compromisso com a diversidade.”
Burger King — Dia da Mulher
Essa já é mais recente e aconteceu no Dia das Mulheres deste ano e o Burger King decidiu publicar um post que dizia “Lugar de mulher é na cozinha” e a ideia era continuar uma thread que no final serviria para chamar atenção para um programa social da marca voltado para mulheres que quisessem se tornar chefs de cozinha.
Infelizmente uma ideia que parecia boa no papel acabou saindo pela culatra ao viralizar exclusivamente seu tweet clickbait com cunho machista. A marca havia elaborado a mesma campanha no impresso, que funcionou muito bem, mas deu muito errado quando foi para o Twitter.
Com a polêmica causada, o feitiço se voltou contra o feiticeiro quando os concorrentes passaram a cutucar o Burger King, como exemplo do KFC, que sugeriu que a rede apagasse o tweet o mais rápido possível.
Após relutar sobre a decisão de apagar o post, respondendo inúmeros comentários defendendo a ideia, o Burger King finalmente apagou sua publicação de cunho machista e se desculpou pelo ocorrido.
“Gente boa também mata”
Por mais “incrível” que pareça essa ideia, a campanha “Gente boa também mata” foi desenvolvida pelo Governo Federal. A campanha apresentava um médico no fundo branco, em imagem preto e branco, com a legenda “quem faz a alegria das crianças pode matar”, seguido com letras minúsculas que diziam “um copo de bebida pode por tudo a perder. Gente boa também mata. Se beber, não dirija”.
A mensagem ficou totalmente perdida no meio de tanta informação e a campanha não parou por aí, com pérolas como “Quem adota animais também mata” e “O melhor aluno também mata”.
“Quer pagar quanto?” — Casas Bahia
A campanha “Quer pagar quanto?” das Casas Bahia é uma das mais populares elaboradas pela marca e basicamente dava o poder ao consumidor de negociar sobre o poder de compra para obter os produtos, mas gerou uma bagunça ao chegar no consumidor com a ideia de que o consumidor poderia pagar quanto quisesse pelos produtos.
Existem muitas histórias em volta dessa campanha e, uma delas é de que um cliente supostamente processou a Casas Bahia e ganhou o processo, conseguindo realizar compras na loja pagando apenas R$ 1 real por determinado produto, mas essa história não é comprovada.
Em outro caso, os funcionários deveriam utilizar broches em seus uniformes com o slogan da campanha “Quer pagar quanto?” e uma das funcionárias decidiu processas a Casas Bahia por conta da quantidade de assédio que ela recebeu ao utilizar esse broche.
Ao que tudo indica, a marca teve um prejuízo de aproximadamente 100 mil reais com a criação dessa campanha e até mesmo tentou reproduzir uma versão “Quer pagar quando?”, que acabou não emplacando.
Aniversário de 90 anos conturbado — Kopenhagen
Por conta de um franquiado, a Kopenhagen acabou levando um prejuízo logo ao completar seus 90 anos. A marca conta com dois produtos que se chamam “Língua de Gato” e “Chumbinho”, e um franquiado específico fez um banner com a identidade visual da marca com uma conotação bizarra associando os produtos.
“Eu acho que eu vi um gatinho/Eu acho que eu lambi um Chumbinho” era o que dizia o banner. Ninguém mais, ninguém menos, que Luisa Mell se pronunciou contra a Kopenhagen, gerando uma polêmica enorme em torno do ocorrido.
A marca precisou realizar um pronunciamento oficial para apontar não só o próprio erro, quanto também o erro do franquiado na realização dessa ação.
Entrevista com Felipe Martins — Portal Publicitário
O Felipe Martins é muito conhecido por suas análises de marcas pelo Portal Publicitário e foi um convidado especial para esse oitavo episódio para agregar ainda mais em conteúdo sobre esses cases caóticos das marcas que nos fazem ficar com a pergunta “Quem aprovou isso?” na cabeça.
O Portal Publicitário existe há aproximadamente 7 anos e tem como diferencial levar sempre o ponto de vista próprio para que as pessoas consigam se questionar e refletir sobre o mundo da publicidade e do marketing.
Heineken — Dia Mundial Sem Carne
No Dia Mundial Sem Carne a Heineken decidiu apostar na ideia e realizou uma publicação para celebrar a data. O que a marca não esperava era o ataque de seus próprios consumidores, que ficaram revoltados com a publicação.
De acordo com Felipe, o problema dessa postagem foi a análise. “O grande erro da publicidade mal feita, parte da análise da agência e de todos os funcionários. Queimar etapas e deixar a parte de análise superficial, pode fazer com que qualquer campanha vá por água a baixo”, explica.
Além disso, é importante que as marcas estejam sempre conectadas com aquilo que elas defendem ou vão defender. Felipe frisa a necessidade de estar amarrado a uma causa por empatia, e não apenas para ganhar clientes.
Se sua marca defende algo que você acredita, tudo bem perder clientes de um lado, mas você fortalece sua marca de outro. Ficar em cima do muro pode até fazer com que você não perca clientes, mas com o tempo as pessoas vão perceber que sua marca está sempre onde convém.
Associação Brasileira de Televisão por Assinatura
A campanha no geral falava sobre a prática de piratear serviços por assinatura, mas a campanha já pecou em utilizar crianças para o comercial. No filme, as crianças reproduzem frases ditas pelos pais que fazem sentido tanto como lição de vida, quanto como dita contra pirataria.
De acordo com Felipe, a campanha peca ao colocar atores mirins para debater um assunto tão delicado e importante, pois de certa forma as crianças acabam recebendo as críticas referente a um debate que elas não pertencem.
Gil do Vigor — Santander e Banco do Brasil
A campanha do Gil do Vigor com o Santander causou um barulho enorme no mundo da publicidade e Felipe Martins acredita que quem perdeu a oportunidade e deveria ter fechado com o ex-BBB é o Banco do Brasil, devido todo histórico do economista.
Ainda que o Santander tenha aproveitado a oportunidade, Felipe acredita que a campanha não contou com a quantidade de criatividade que deveria e Gil poderia ter se soltado mais durante o filme.
Como fazer pra tentar evitar esses problemas que causam o famoso “Quem aprovou isso”?
“Eu tenho alguns pontos em relação a isso. O primeiro seria o alinhamento entre agência-empresa, com detalhes para que fique claro o que será ou não será feito. (…) O segundo é a parte da equipe, você precisa saber colocar pessoas diferentes na equipe e saber ouvir essas pessoas para promover diversidade nos pensamentos. (…) Processos, é preciso estabelecer processos para que as informações não se percam e não acabe sendo feito tudo de última hora. (…) E, por último, análise profunda, é necessário haver uma análise profunda do que será feito e, caso tenha 1% de chance de dar errado, vale estudar novamente para refazer ou, pelo menos, se preparar para caso esse 1% venha a acontecer”, responde Felipe.
Perguntas no Instagram
No Instagram @breakpublicitario e @geekpublicitario, como de costume, foi perguntado para os seguidores se eles já deixaram de seguir ou consumir uma marca por conta de alguma comunicação de cunho machista, racista etc. O resultado é que 76% das pessoas deixaram de consumir empresas com comunicações preconceituosas, polêmicas ou desagradáveis.
Quando questionados sobre quais foram as marcas que receberam esse unfollow, várias marcas aparecem na lista, começando pela Priscila Galdino, que deixou de fazer compras no Carrefour por conta dos problemas voltados para o racismo e outras polêmicas.
Outras marcas citadas são:
- M Officer, por polêmicas envolvendo trabalho escravo;
- Dove;
- Burger King;
- Madero;
- Itaipava;
- Magalu;
- Old Spice;
- Hering;
- Riachuelo;
- Havan;
- São Brás;
- Smart Fit;
- Mary Kay;
- Lupo etc
Considerações finais
Todas as empresas precisam prestar muita atenção na comunicação interna e externa para não cair no desconforto social, pois isso deixa um rastro muito forte na história da marca.
O cancelamento tá aí, ele vai acontecer a qualquer momento, mas tudo pode ser reversível e por isso é necessário estar convicto do que a marca defende para conseguir responder a altura e se posicionar de maneira firme assumindo os erros e se comprometendo a melhorar os processos da empresa, assim como fez Bombril lidando com sua crise.
Vale lembrar que o processo de diversidade se inicia de dentro para fora, então quanto mais pessoas diferentes forem ouvidas dentro de sua marca, mais fácil é sair de qualquer possível erro na comunicação.
Caso você tenha interesse em conferir toda conversa do podcast na íntegra você pode ouvir o Break Publicitário em todas as plataformas digitais.