19h20 marcava o relĆ³gio. Eu estava um tanto preocupado, pois acabava de sair da minha prova de SIC, abreviaĆ§Ć£o de uma matĆ©ria que atormentou minha vida todo esse semestre.Ā Ao por o pĆ© pra fora do edifĆcio Reverendo Wilson do Mackenzie, eu me sentia como se tivesse viajando no tempo. O fato Ć© que meu nervosismo estava prestes a sumir, porque o Brasil da forma como eu conhecia estava prestes a sumir.
Parecia que tinha sonhado e estava ali na tĆ£o falada Ditadura Militar. O cĆ©u estava vermelho e refletia flashes de bombas que explodiam. A mĆŗsica de fundo era um misto de sirenes com explosƵes e a cada vez que eu olhava em direĆ§Ć£o Ć rua da ConsolaĆ§Ć£o uma grande dĆŗvida pairava sobre minha mente: “Estamos em guerra e ninguĆ©m avisou?”
Eu sabia que haveria um ato contra o aumento das passagens. Sabia tambĆ©m que a polĆcia estava atuando com demasiada truculĆŖncia, mas nĆ£o tinha ideia do que estava prestes a presenciar. Era a amostra de uma guerra civil. O inĆcio de uma revolta nacional, o estopim de anos de impunidade polĆtica e criminal.
O portĆ£o da rua PiauĆ estava praticamente fechado. O seguranƧa segurava a porta como quem guarda o PalĆ”cio do Planalto.Ā Hora de entrar na Faculdade novamente para me proteger. Atravessei a Universidade e ao chegar no portĆ£o que dava Ć Maria AntĆ“nia, notei que a coisa era realmente sĆ©ria. O portĆ£o estava fechado, ninguĆ©m poderia sair por ali.
A portaria principal da ConsolaĆ§Ć£o eu nĆ£o tenho ideia de como estava, mas a exemplo das outras portarias devia estar covardemente fechada. Era difĆcil de entrar e sair, afinal por motivos Ć³bvios, a instituiĆ§Ć£o tinha medo de que a ira pudesse se voltar contra a prĆ³pria universidade.
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A Ćŗltima alternativa possĆvel foi feita.Ā Corri para minha Ćŗltima opĆ§Ć£o no quarteirĆ£o em que se encontra a universidade: Rua ItambĆ©. O portĆ£o estava aberto enquanto os seguranƧas pareciam inquietos sem saber o que fazer.
Desci com medo. Medo de ser atingido por alguĆ©m. Medo de ser confundido com um manifestante, medo de ser confundido com um ser que exerce sua cidadania, que cobra a democracia, que acredita num mundo melhor. Desci desejando que aqueles homens fardados olhassem para minha cara e nĆ£o vissem nada alĆ©m de um covarde que pela infelicidade do destino cruzava o caminho daquelas pessoas.
Chegando na estaĆ§Ć£o Santa CecĆlia do MetrĆ“, adivinhem sĆ³: o transporte pĆŗblico, pauta de toda aquela guerra, estava um caos. Os trens andavam em velocidade e quantidade reduzidas. Cada trem que parava estava tĆ£o cheio que nem mesmo os paulistanos mais acostumados a serem dublĆŖs de sardinha conseguiam entrar. Enquanto isso, trens vazios passavam o tempo todo por nĆ³s indo em direĆ§Ć£o a Ć”reas mais crĆticas, como RepĆŗblica e SĆ©.
Resultado: uma hora e meia esperando feito retardados, com direito atĆ© mesmo a tentativas suicidas de parar um trem vazio, como a do senhor querendo pular na via para que o trem parasse para nĆ£o atropelĆ”-lo e assim todos pudessem embarcar (!).
Nesse meio tempo a tecnologia foi minha companheira. Eu e mais dois amigos acompanhamos minuto a minuto tudo o que estava acontecendo, horrorizados. A cada “Puxe/Solte para atualizar” dado no Facebook ou no Twitter o que se via era atrocidades e mais atrocidades feitas por quem deveria estar ali para nos proteger. Aqui vai o top 4 mais impressionante na minha opiniĆ£o.
E na TV? Eram propagadas coisas como essa enquete tendenciosa do Datena (que se deu mal e precisou mudar o discurso pra nĆ£o passar vergonha ou perder audiĆŖncia):
Ou esse dispensĆ”vel comentĆ”rio do Arnaldo Jabor, que sequer consegue fazer novos filmes decentes e quer dar palpite burguĆŖs em protestos proletĆ”rios:
Eu me lembro que quando saĆ do interior para morar em SĆ£o Paulo, o que mais me fascinava era estar dentro da TV. Cada vez que via um carro de TV, eu vibrava. Minha fixaĆ§Ć£o pelos veĆculos de comunicaĆ§Ć£o veio desde tĆ£o cedo que eu nĆ£o sei nem dizer quando comeƧou. Acho que Ć© algo intrĆnseco. Mas dessa vez tudo o que eu nĆ£o queria era estar dentro da TV. Era meu medo de ser notĆcia, era o medo do que minha famĆlia a 170 km de distĆ¢ncia poderia imaginar ao saber que eu estava ali, no meio do fogo cruzado. Tudo o que eu queria era poder gritar. Chamar a polĆcia e dizer: “corram, estĆ£o atacando civis de bem lĆ” fora!”, mas, espera aĆ. Eles eram os criminosos ali e, em uma novela, estavam sendo demonstrados como herĆ³is.
A internet, que foi fator primordial para inĆŗmeras revoluƧƵes ao redor do mundo, era a mais nova aliada do brasileiro. JĆ” perdi a conta do nĆŗmero de artigos, posts, tuĆtes etc que jĆ” vi ou li em relaĆ§Ć£o a esse movimento. Os ativistas de sofĆ” talvez nĆ£o mereƧam mais ser chamados assim, porque eles resolveram levantar e ir Ć s ruas. NĆ£o adianta querer minimizar o efeito de sua uniĆ£o, ou a forƧa de suas convicƧƵes, muito menos descaracterizar o movimento. EstĆ” tudo sĆ³lido.
Como mesmo na internet nem tudo sĆ£o flores, o Facebook andou apagando centenas de comentĆ”rios ou simplesmente ocultando-os das devidas timelines por, segundo a empresa, violarem os termos de uso. Chegando atĆ© mesmo a bloquear usuĆ”rios que postaram palavras de agressƵes como no exemplo abaixo, vivido pelo nosso colaborador Guilherme Ibanes, que redundantemente relacionava “ignorĆ¢ncia” ao ato de ler a revista “Veja”:
O problema Ʃ que o Facebook representa 67% dos acessos a redes sociais enquanto o Twitter, uma rede social mais democrƔtica, ainda fica atrƔs do Orkut em acessos, com aproximadamente 1,75%.
Mesmo assim, a participaĆ§Ć£o das redes sociais teve um Ć³timo desempenho no nosso paĆs. Acima do que os arcaicos esperavam e no ponto que nĆ³s jovens jĆ” conhecemos. Com destaque para o Tumblr. O serviƧo, que Ć© uma mistura de Blogue com Twitter, foi crucial para reuniĆ£o de provas legĆtimas de abuso de poder e serviu como pĆŗlpito para civis injustiƧados mudos por um sistema de governo que faz ecoar em pleno 2013 a icĆ“nica canĆ§Ć£o de Chico e Gil de nome ambĆguo.
E depois de tudo o que presenciei e vi pelas redes sociais, se houvesse um apagĆ£o como na SĆria ou no Egito, nĆ£o ficaria nem um pouco surpreso.
Aqueles que ainda acreditam que a revolta Ć© por R$ 0,20 como nosso querido amigo Jabor, eu sĆ³ lamento. 20 centavos foram a faĆsca para reacender a cidadania dentro de cada um dos brasileiros. 20 centavos foi o que bastou para que a populaĆ§Ć£o deixasse de lado o pacifismo transformado em passividade. 20 centavos fez com que o brasileiro exercitasse um novo jeitinho: o jeitinho de ir Ć s ruas lutar por seus direitos e de agir como veĆculo de comunicaĆ§Ć£o voltado aos seus semelhantes. E esse Ć© sĆ³ o comeƧo. O desfecho estĆ” por vir. O que vai dar, eu nĆ£o sei. Mas de uma coisa eu tenho certeza. Eu vivi a histĆ³ria que nossos filhos aprenderĆ£o nas escolas daqui a alguns anos.
Eu queria terminar este post explicando a existĆŖncia de um post com carĆ”ter polĆtico em um blog de publicidade e tecnologia. Em primeiro lugar, este Ć© um Blog completamente independente e minha intenĆ§Ć£o sempre foi falar sobre tudo que faz parte do cotidiano de um “Geek PublicitĆ”rio”. Isso envolve religiĆ£o, polĆtica e futebol ou qualquer que seja o tema.
Segundo, quero dizer que como comunicador, uma das primeiras coisas que aprendi em comunicaĆ§Ć£o Ć© que todo texto possui um pronunciamento e Ć© isso que difere uma matĆ©ria da outra. E Ć© por isso que vivemos em uma Democracia. Nenhum momento escondi ou esconderei minha opiniĆ£o. Depois dos fatos descritos neste texto me parece um pouco hipĆ³crita de minha parte continuar a escrever sobre as minhas Ćŗltimas impressƵes do mercado Geek PublicitĆ”rio enquanto uma guerra civil se estabelece lĆ” fora.Ā
VocĆŖ tem todo o direito de discordar de mim e Ć© por este motivo que existem os comentĆ”rios ali em baixo. Exponha sua opiniĆ£o, mas nĆ£o esqueƧa de ser educado.