Na semana da Black Friday, o Burger King surpreendeu todos os seus consumidores com uma ação inesperada de transferir Pix de R$ 0,01 para seus consumidores com uma mensagem informando sobre a promoção de 2 Franguinhos por R$ 0,25. Ainda na época do ocorrido, nós falamos aqui de maneira positiva sobre o fator criativo da ação, mas ressaltamos que transformar o Pix numa ferramenta de Marketing poderia ser problemático no longo prazo.
Pois bem, aparentemente não vamos precisar esperar o envolvimento de outras empresas para ver o desenrolar desta história, porque o Instituto de Defesa de Consumidores, o Idec, acaba de notificar o Ministério da Justiça e o Banco Central contra a ação do BK.
O Idec enviou uma notificação à Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) e à Secretaria de Direitos Digitais, ambas vinculadas ao Ministério da Justiça, e ao Banco Central, para que os órgãos instaurem um processo administrativo para averiguar a conduta do Burger King na campanha “Pix de 1 centavo na Black Friday”. Isso porque a ação publicitária fere artigos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), do Marco Civil da Internet e do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Violação da LGPD e Marco Civil da Internet
De acordo com o órgão, a LGPD exige que o consentimento para o tratamento de dados seja válido, livre, informado e específico, ou seja, a pessoa consumidora deve ter ciência clara sobre a finalidade do uso de seus dados (Art. 6º, inciso I), com transparência sobre os diferentes usos (Art. 6º, inciso II) e adequação ao contexto de tratamento (Art. 6º, inciso III), e consentir expressamente para cada tipo de tratamento (Art. 7º).
Também no Marco Civil da Internet, o consentimento é amplamente qualificado, devendo ser livre, informado e expresso, conforme previsto em cláusula destacada (art. 7º, VII e IX).
O Idec afirma que, no caso em questão, os consumidores não foram adequadamente informados de que seus dados seriam utilizados para o envio de mensagens promocionais via Pix. Essa falha no processo de comunicação configura uma violação dos direitos dos consumidores, uma vez que a coleta e o uso de seus dados para outra finalidade não autorizada é ilegal.
Violação do Código de Defesa do Consumidor
O instituto também reforça que a campanha publicitária do Burger King viola ainda o CDC, especialmente no que se refere à prática comercial abusiva efetivada por meio da publicidade assediosa.
De acordo com o artigo 39 do CDC, é proibido ao fornecedor de produtos ou serviços utilizar-se de meios fraudulentos ou enganosos para promover seus produtos ou serviços. O envio de R$ 0,01 como mensagem promocional via Pix pode ser considerado uma prática invasiva, pois emprega uma ferramenta bancária projetada para transações financeiras com o objetivo de veicular mensagens publicitárias. Essa abordagem fere a expectativa de privacidade dos consumidores, que não imaginam ser alvos de comunicações comerciais por meio de um sistema tão íntimo e sensível quanto sua conta bancária.
Além disso, a campanha deve ser enquadrada como uma publicidade velada e abusiva, em violação ao artigo 36 e 37 do CDC, considerando que a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor fácil e imediatamente a identifique, e não foi isso que aconteceu.
“A ação do Burger King é problemática por diversas razões e, por isso, precisamos de uma resposta firme das autoridades. A empresa utilizou de forma indevida os dados pessoais dos consumidores para, agressivamente, enviar mensagens promocionais em um meio inesperado – no caso, o seu extrato bancário -, algo que pode até ter atingido crianças e adolescentes. Outro problema é que, ao fazer isso de forma massiva, para milhões de consumidores, o Burguer King também prejudica um infraestrutura pública como o Pix, tal qual como vemos em infraestruturas privadas com os spams dos e-mails, as mensagens indesejadas no WhatsApp e o telemarketing abusivo nos celulares. Como se já não bastasse sermos perturbados em vários outros meios, não deveríamos ter que nos preocupar com mais um. Por fim, o próprio produto anunciado é reprovável, pois é caracterizado por conter nutrientes prejudiciais à saúde”, afirma Luã Cruz, coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec.
Além de notificar a Senacon e a Secretaria de Direitos Digitais, o Idec enviou uma cópia do documento para o Banco Central do Brasil, pedindo que averigue a conduta da Transfeera Pagamentos S.A. (empresa que executou as transações) e que aplique as penalidades cabíveis do Manual de Penalidades do Pix. Além disso, o Idec pede que o Banco Central analise o desenvolvimento de novas resoluções que limitem o uso abusivo do sistema Pix e vede seu uso para finalidade de oferta e propaganda de produtos e serviços.
A campanha publicitária
Durante a Black Friday de 2024, o Burger King, uma das maiores cadeias de fast food do Brasil, lançou uma campanha publicitária que consistia no envio de mensagens promocionais via Pix, operacionalizado pela Transfeera Pagamentos, no valor simbólico de R$ 0,01. De acordo com o Idec, a ação teria gerado grande desconforto e preocupação entre as pessoas consumidoras. Segundo informações públicas, a empresa enviou tais mensagens por meio de transferências bancárias Pix no valor supramencionado para as contas correntes dos 19 milhões de clientes cadastrados em seu programa de fidelidade, o “Clube BK”.
Ainda na época em que a campanha foi veiculada, o Idec já havia criticado publicamente a atitude por meio de um post intitulado “Vale Tudo na Black Friday?”. No texto, o instituto já alertava para os perigos da utilização do Pix como ferramenta de Marketing.
Criatividade acima de tudo
Essa não é a primeira vez que vemos o Burger King ser denunciado por algum problema em sua comunicação. Já falamos aqui outras vezes de ocasiões onde a rede acabou sendo condenada pelo Procon por publicidade enganosa e acabou até mesmo utilizando isso em seu favor em uma resposta tão criativa quanto perigosa. A rede parece sempre priorizar a criatividade acima de tudo. Diante da linguagem irreverente e jovem ‘zoeira’ que adota nas redes, parece quase sempre funcionar.
Confira aqui a notificação feita ao Ministério da Justiça (protocolo 08084.007017/2024-01) e aqui a notificação feita ao Banco Central (protocolo 2024/1059581).