Os Amantes Passageiros é a mais nova comédia de Almodóvar e marca sua volta a atmosferas mais descontraídas depois do tenso A Pele que Habito. Já de antemão, vale dizer que Os Amantes Passageiros é uma proposta “relax”, um filme que não quer ocupar a mente de quem assiste com grandes questionamentos e não quer compromisso com o que é verossímil. Saia de casa com isso em mente, a não ser que você queira bancar o bobo, como fez uma senhor sentada à minha frente, na sessão. Ao rolarem os créditos finais, ela soltou um “que horror”.
Pois bem. Os Amantes Passageiros se passa quase que totalmente a bordo de um avião, mais especificamente na classe executiva, que corre o risco de cair porque um dos trens de pouso apresenta problema. Só abrindo um parêntese: esse problema é culpa dos personagens de Penélope Cruz e Antonio Banderas, que dão o ar da graça só para fazer graça. E para dar mais credibilidade (ou público mesmo) ao filme. Eles abrem o longa e não passam mais que 5 minutos na tela. Mas o elenco é repleto de atores que acompanham Almodóvar há tempos. Você os reconhecerá. O foco do filme se divide nos vários passageiros e também na tripulação – comissários, piloto e co-piloto. As histórias de todos são exploradas das mais variadas formas, confissões, conversas ao telefone que são ouvidas por todo mundo no alto falante, fofocas.
O filme é uma verdadeira salada, no bom sentido. Bagunçado, vibrante, colorido, sarcástico, bizarro, exagerado, engraçado e gay. É “tudo junto e misturado”. Não há como separar Os Amantes dos filmes realizados por Almodóvar na década de oitenta. Não quero discutir aqui uma relação de qualidade, preferência pessoal ou força entre essas duas épocas. O intuito é comparar plasticamente, por exemplo, Amantes com Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos ou Ata-me!, porque são realmente filmes parecidos. O tom cafona, o vermelho, amarelo, verde, as cores gritando na tela, as roupas bregas, camisas floridas, correntes, batons chamativos, cabelos milimetricamente cortados e penteados e por aí vai. O enredo em si também parece com os oitentistas, sobretudo por se tratar de uma comédia e, ainda mais, por ser uma comédia escrachada.
Bem escrachada, por sinal. Esqueça o peso e a tensão de Fale com Ela, por exemplo. Almodóvar não está nem aí e aproveita de sua fama e reputação para falar do que bem entende, da forma como lhe convém, que é a forma mais característica que ele encontrou. Ninguém faria esse mesmo filme da forma como ele fez. Tem de tudo: socialite prostituta, sensitiva virgem, piloto bissexual, piloto em cima do muro, traficante, comissários gays afetadíssimos, matador de aluguel, gente usando drogas, homem cafajeste… E todos esses personagens se relacionam por meio de situações as mais improváveis. O apelo sexual é bem forte e grande parte das piadas (que são ótimas) vem justamente dessa abordagem. E, sim, Os Amantes Passageiros é um filme predominantemente gay. Isso não quer dizer que seja um filme para gays, até mesmo porque isso não existe. Arte é arte, não tem essa de restringir. Lembre-se: não faça como a senhora que pejorativamente disse “que horror”. Se alguém ainda não sabe, Almodóvar é gay. E esse fato deixa o filme bem natural no sentido de atuações, diálogos, expressões específicas, comportamento e afins. Para quem ainda não viu: a cena em que mostra o comissário de bordo pela primeira vez na cabine dos pilotos é impagável, de longe minha favorita.
Algumas críticas por aí dizem que, além disso tudo que a hora e meia de filme mostra, Os Amantes Passageiros também faz uma crítica à atual situação da Espanha, comprometida financeira e economicamente etc e tal. Sinceramente? Não importa. Assim como não importa o dramalhão que, ainda bem, recebeu tratamento secundário o tempo todo. O que importa é o clima caliente, de novela mexicana, escrachado e que mostra que ninguém ali se preocupa com o que vai acontecer com o avião. Afinal de contas, melhor mesmo é beber, fofocar, dançar, transar, aproveitar. Hedonismo, acima de tudo. Para Almodóvar, para os personagens, para quem assiste.