Como um dos poucos admiradores de Sofia Coppola, fui ao cinema no รบltimo sรกbado assistir seu novo filme, Bling Ring, que conta como um grupo de jovens roubava as mansรตes das celebridades norte-americanas como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Antes de falar do filme, preciso comentar sobre a sessรฃo em si. Cheia de adolescentes da era Harry Potter (tudo bem, eu sou dessa รฉpoca), que com certeza sรณ estavam lรก por causa da Emma Watson, a sala estava um inferno. Jรก que citamos a nรฃo-mais-eterna Hermione, vale dizer que ela estรก tรฃo bonita, mas tรฃo bonita, tรฃo bonita, que deveria ter aparecido ainda mais. Voltando: nรฃo houve sequer um momento em que apenas os atores falavam. Um rapaz atrรกs de mim chegou ao extremo de atender o telefone, com seus pรฉs devidamente apoiados na poltrona da frente, e comeรงar a conversar muito alto, como se estivesse em casa. Paciente que sou, virei e pedi para que ele atendesse a ligaรงรฃo fora da sala. Foi o que ele fez. E nรฃo voltou depois disso. Essas pessoas na sessรฃo tambรฉm me fizeram temer a recepรงรฃo do filme, porque seria natural que acontecesse o mesmo que se passou com Spring Breakers (resumindo: todos foram assistir por causa da Selena Gomez/Vanessa Hudgens e saรญram decepcionadรญssimos porque nรฃo รฉ um filme fofo). Mas como muitos deles estรฃo preocupados com o nรบmero de seguidores que tรชm no Instagram e nada mais que isso, vai haver uma identificaรงรฃo. Uma garota ao meu lado, por exemplo, comeรงou a explicar quem era Karl Lagerfeld e sei lรก quem mais numa determinada cena.
Esse comportamento รฉ, mais ou menos, o comportamento da tal “gangue de Hollywood”. Nรฃo, eles nรฃo conversavam em sessรตes de cinema. Digo isso no sentido de que eles eram pessoas que nรฃo se preocupavam com nada. Da mesma forma que o garoto da sessรฃo nรฃo se preocupou em respeitar quem estava interessado, o grupo nรฃo se importava em respeitar o que nรฃo lhes pertencia, a privacidade, os bens do outro. Ainda se fossem seguidores de Robin Hood, terรญamos lรก os motivos para defendรช-los. Mas a gangue rouba de ricos para ricos – no caso, eles mesmos. ร possรญvel perceber de forma clara que eles nรฃo roubam com o clรกssico pensamento de “se ele tem tanto, porque eu nรฃo posso ter tambรฉm?”. A necessidade de cada membro da Bling Ring รฉ fazer ainda mais parte do cรญrculo de pessoas famosas e influentes. Nรฃo รฉ tirar jรณias, roupas e sapatos da mansรฃo da insuportรกvel Paris Hilton para ter o que vestir. ร roubar para ser Paris Hilton. Ou Lindsay Lohan. Ou Orlando Bloom. Atรฉ mesmo porque eles jรก sรฃo bem nascidos. Eles fazem parte desse grupo social que รฉ tรฃo importante para eles. Mas eles querem ser mais… eles querem ser o cรญrculo.
O pessoalzinho รฉ “too cool for school”. Como ato de transgressรฃo, eles se drogam, se vestem de maneira diferente, descobrem os endereรงos dos tais famosos e invadem as casas enquanto eles estรฃo fora. Jรก que falamos da “geraรงรฃo ostentaรงรฃo”, รฉ natural vรช-los se vangloriando das novas aquisiรงรตes (numa dessas, quase o cachorrinho da Paris Hilton รฉ levado junto), tirando fotos e mais fotos em baladas de seu novo Louboutin, seu novo casaco Chanel ou sua nova bolsa Louis Vuitton. Depois, รฉ claro, postam tudo no Facebook. Com o passar do tempo, eles ficam cada vez mais famosos e conseguem, com sucesso, o que querem. Eles se tornam, por fim, os influenciadores do cรญrculo que frequentam. O clichรช faz valer no caso da Bling Ring: essa (grande) parcela da nova geraรงรฃo, que jรก nรฃo estรก tรฃo nova assim, nรฃo tem uma essรชncia ou ideologia razoรกveis, que vai realmente ajudar a eles mesmos e aos outros tambรฉm. Eles sรฃo mesquinhos e se merecem, “gangue” e celebridades. O mundo deles se limita a saber onde o artista X vai estar, se o Y vai marcar presenรงa num evento pseudo-importante, se o Z tem relรณgios Rolex que podem ser facilmente roubados.
Sofia Coppola sabe do que se passa em Hollywood por estar inserida nesse meio desde que nasceu. Ela entende essa obsessรฃo inexplicรกvel e o culto ร s celebridades e ร vida alheia. Como sempre, ela nรฃo julga ninguรฉm. Ela observa e nos mostra. Nรฃo consegui encontrar o intimismo comum nos filmes dela (Um Lugar Qualquer, por exemplo, mostra isso muito bem), aquele toque que faz a gente pensar “esse filme รฉ da Sofia”. Bling Ring atรฉ tem as pinceladas que tanto caracterizam a diretora, mas senti que visualmente poderia ser mais autoral. A nรฃo ser por um take bem distinto que, por distraรงรฃo minha, me foi apontado por um amigo (se ele nรฃo falasse, eu nรฃo teria feito a ligaรงรฃo), em que dois personagens invadem uma casa e a cรขmera estรก muito distante, mostrando a casa inteira e vai se aproximando muito, mas muito devagar, atรฉ que outra cena entre. Ali, sim, eu percebi que era um filme dela. De resto, nรฃo muito. Talvez porque o tema seja mais agressivo do que a monotonia de um ator que nรฃo sabe o que fazer em seu constante รณcio (o que acontece, mais uma vez, em Um Lugar Qualquer).
E aรญ a gente pensa: atรฉ que ponto podemos julgar o vazio desprezรญvel da vida deles (e de tantos outros que consentem)? Qual a raiz desse pensamento, desse culto, dessa vida? Eles nรฃo sรฃo rebeldes, nรฃo chegam aos pรฉs de quem realmente “causa” na alta sociedade. Sรฃo, no mรกximo, dissimulados. Se Sofia nรฃo se compromete em mostrar os podres que sรฃo encontrados mais a fundo nesse meio (que ela nรฃo pode negar, pois a promove), nรณs mesmos precisamos nos colocar como juรญzes, jรก que nรฃo dรก pra ir atรฉ lรก e mostrar a cada um deles que existem problemas talvez um pouco mais importantes do que a grife que eles vรฃo mostrar para os outros no nightclubย hoje ร noite.