Início Publicidade Cultura A surpreendente delicadeza de “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”

A surpreendente delicadeza de “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”

Antes de ler: se você não viu o curta, vai se deparar com alguns detalhes que pode considerar como spoilers.

“Forelsket” é uma palavra dinamarquesa que entra num grupo de palavras intraduzíveis, mais ou menos como “saudade”. É daquelas que a gente tem que explicar o significado através de um contexto. Pra entender o significado de “forelsket”, que é usada pra caracterizar o início do amor, aquele frio na barriga, o coração disparado, basta assistir a Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. O filme, muito sensível, é um desenvolvimento mais complexo do celebrado curta Eu Não Quero Voltar Sozinho, de 2010, que fez bastante sucesso na internet.

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A gente acompanha a história de Leonardo, um garoto cego que tem de lidar com o bullying na escola (por precisar de ajuda pra realizar algumas tarefas do dia a dia), a pressão para beijar logo uma garota e “tirar isso do caminho”, como um personagem diz em dado momento, além de estar cada vez mais aborrecido com a pressão e a superproteção dos pais – sobretudo da mãe –, que querem saber de cada passo do filho. Ou seja, Leonardo é o típico adolescente passando pelos conflitos típicos da adolescência. Como se não bastasse, a chegada do novo aluno na classe, que coincidentemente senta atrás dele, faz com que Leonardo tenha que enfrentar a descoberta do amor e de sua homossexualidade. É fácil para que qualquer um se identifique, tenhamos nós 15, 20, 30 anos. Porque são processos naturais (e penosos, diga-se de passagem) da vida. Até o mais popular dos alunos já passou por constrangimento uma vez na vida. O mais desiludido dos adolescentes já se deparou com uma paixão. O mais excluído dos alunos já tentou encontrar e encontrou sua turma. O mais feliz já ficou puto da vida e bebeu pra esquecer a tristeza. Ninguém é imune à vida. Você vai se encontrar em algum personagem.

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No que diz respeito à descoberta de Leo, o filme não poderia ser mais sincero e sensível, tanto no sentimento quanto em aspectos visuais. A abordagem é delicada e o ritmo do filme é exatamente como o ritmo de alguém que se apaixona: começa devagar, vai com calma, flerta, até que tudo explode e não dá mais pra segurar. Isso me fez lembrar da música “Futuros Amantes”, de Chico Buarque, que fala pra gente não se afobar, que nada é pra já. O filme, e Leonardo, e Gabriel (o garoto novo), não se afobam; eles têm paciência, porque sabem que uma hora vão se ajeitar. Enquanto não podem, desenvolvem pequenos gestos que indicam o que querem um com o outro. Obviamente, nem tudo são flores, ainda mais por se tratar de um garoto que se apaixona por outro garoto. Eles precisam esconder o que sentem, porque os colegas de classe, os pais e a sociedade não aceitam. E ao dizer que a abordagem é sincera, é preciso dizer também que não é apenas em relação aos sentimentos dos dois apaixonados, é sincera quando mostra que se deixam as amizades de lado, cada vez mais e sem perceber; é sincera quando mostra a revolta de um adolescente para se soltar das amarras que os pais impõem; é sincera quando mostra a tentativa de negação de um sentimento e o processo de amadurecimento (bem como o comportamento dos adolescentes e, mais especificamente, seu modo de falar) tal qual eles são.

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Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é repleto de detalhes – algumas vezes elípticos – que “entregam” o que vai acontecer de forma elegante, ainda que muitos possam falar que os artifícios são manjados. Detalhes como uma música (que bonito quando toca Cícero e quando toca Belle and Sebastian!), uma blusa esquecida no encosto da cadeira, as costas enquanto a água do chuveiro escorre e a gente vê num super close, o aprendizado trocado entre os dois ou, ainda, o close na boca de Gabriel explicando a Leonardo segundo a segundo de um filme numa sessão que os dois resolveram pegar depois da escola. É um filme puro, mais sutil do que evidente, que faz a gente ver que não se escolhe a quem vamos amar, quando vamos amar, porque vamos amar (e precisa ter por quê?). A gente percebe que se apaixonar é a melhor coisa do mundo.

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